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O presente e os 120 anos de um poeta

"Poucos poetas chegaram no coração humano da maneira que conseguiu Pablo Neruda. Seus versos estão gravados a fogo na memória dos adultos, mas também se aconchegam nos cadernos e diários íntimos de jovens de tantos países que nele encontram um companheiro" — assim diz o texto da contracapa do livro Presente de um poeta, traduzido para o português por Thiago de Mello, um dos ícones da poesia brasileira e amigo íntimo de Pablo Neruda.

Antes de contar a história de como esse livro chegou até mim, falemos sobre o poeta.

Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto nasceu no distrito de Parral, Chile, em 12 de julho de 1904 e faleceu em Santiago, em 1973.

Aos 13 anos firmou-se poeta, um prodígio no uso das palavras. Mais tarde, assumiu legalmente o pseudônimo Pablo Neruda, escrevendo em diversos estilos literários, destacando-se, sobremaneira, por seus poemas de amor enleados em profunda e imutável paixão, engajamento político e saudosismo, que o impulsionaram a receber o Nobel de Literatura em 1971.

Ele foi um dos poetas de língua espanhola mais lidos, traduzidos e celebrados no mundo inteiro. Gabriel García Márquez e Harold Bloom estão entre seus admiradores famosos.

Conheci Neruda e alguns trechos famosos de seus poemas na adolescência, em uma aula de literatura do saudoso professor Antônio Munhoz. 

Não era esse o tema principal da aula, não nos aprofundamos em sua poética, nem em sua biografia, mas os versos ficaram gravados na memória e os escrevi numa página da pequena agenda de capa florida que eu ganhara da minha mãe e sempre carregava na mochila.

“Para meu coração basta o teu peito 

para que sejas livre, as minhas asas.”

“Quero fazer contigo 

o que a primavera faz com as cerejeiras.”

“Tenho fome de tua boca, de tua voz, teus cabelos 

e pelas ruas vou sem me nutrir, calado, não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta, 

procuro o líquido som de teus pés pelo dia.”

“Gosto quando te calas porque estás como ausente, 

e me ouves desde longe, e minha voz não te alcança.

Parece que teus olhos tivessem voado 

e parece que um beijo te cerrasse a boca.”

Lembro de abrir a agenda dentro do ônibus lotado, na volta para casa — dei a sorte de pegar um lugar para sentar aquela vez.

Era meio dia, o calor intenso; os alunos dos colégios da Avenida FAB pareciam entrar todos no mesmo ônibus, aos gritos, empurrões, xingamentos e gargalhadas, mas aquilo não me incomodou naquele momento — eu tinha os versos de Neruda para ler!

Muitos anos se passaram, mudei para São Paulo, onde fazia faculdade, e o transcorrer da vida (já tão diferente) fez-me praticamente esquecer dos pequenos poemas. Neruda se tornou um poeta a residir nas minhas lembranças ternas, porém empoeiradas, num canto intocado da memória. Lembro de ter lido, depois, algumas informações sobre sua história, algumas críticas e nada mais.

Em umas férias que vim passar no Amapá, resolvi revirar velhas caixas que permaneciam fechadas — ninguém as abria, muito menos eu — como se ali fossem guardados tesouros proibidos que pudessem se desintegrar ao primeiro contato com o presente.

Abri as caixas entre sorrisos nervosos de ansiedade, espirros e muita emoção.

 

Dentre vários objetos que me foram valiosos, encontrei a velha agenda e reencontrei Neruda, junto com outros poetas que esperaram, placidamente, o passar do tempo para voltarem a fazer parte dos meus dias.

Capa de livro

Retornei com a agenda para São Paulo e contei o ocorrido a um grande amigo que, no outro dia, apareceu com um pacotinho de um sebo nas mãos: era o livro Presente de um poeta, coletânea dos poemas mais famosos de Pablo Neruda, traduzidos por Thiago de Mello, um dos meus poetas favoritos, que passei a conhecer naquele dia (foi um duplo presente).

Dali em diante, Neruda e sua arrebatadora poesia voltaram novamente a embalar meus pensamentos. 

A cada releitura que faço, revisito emocionada o passado — mas com olhos de aurora — e aquela adolescente sonhadora renasce para encantar-se, mais uma vez, com a paixão e com a impressionante genialidade do maior poeta chileno, que este mês completaria 120 anos.

 

Não só o Chile comemora o nascimento do poeta e essa data tão significativa para sua história; em todos os países onde sua poesia chegou e por onde Neruda passou, o seu carisma marcou corações.

 

Thiago de Mello conta que Neruda “criava um ambiente mágico ao seu redor, nasceu com o dom da amizade e da alegria de viver”.

 

Ambos percorreram quase todo o Chile juntos, fazendo recitais até para trabalhadores das minas de carvão; plantando no coração do povo a sua poesia, a sua história.

 

Ler Neruda nunca é somente ler, mas, sobretudo, sentir, experimentar, viver e reviver momentos que, para a maioria de nós, são difíceis de transformar em palavras, mas que ele magistralmente traduziu em versos.

Comentários (2)

cafe literarioap
cafe literarioap
Jul 01

Que linda e emocionante história de encontro, desencontro e reencontro, querida colunista e amiga de leituras. Parabéns!

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soraiadbrito
Jul 01
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Que alegria ler seu comentário, querida Elcilene! Obrigada pelo prestígio e pela companhia constante nos caminhos da literatura!

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