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A catarse necessária do que silenciamos em nós

Mathias de Alencar

Quando recebi das mãos da Lulih Rojanski seu mais novo livro, dividíamos a mesa sobre Feras, Letras e Amores no II FLIMAC (Festival Literário de Macapá), e eu já sabia que ele seria um fura-fila de leituras. A escrita sensível mas dilacerante de Lulih parecia um belo motivo para conhecer Feras Soltas (Patuá; 2023), porque eu também já sabia que a leitura prometia provocar insônias. Dito e feito.

O livro nos ambienta às intempéries com que nossa geração se viu surpreendida em 2020 pela pandemia. Mas não se trata de um livro sobre a pandemia. O enredo entrecorta os dias de um trio que, por temperamento, se encontrava recluso, sem qualquer interesse de sociabilidade além do necessário. Lulih nos enreda, porém, na constatação de que o casal Manuela e Samuel ampliaram, com o

tempo, essa falta de sociabilidade para os movimentos diários da rotina, de maneira que entre eles o silêncio é a única forma de suportar a reclusão de suas próprias feras, de seus desejos relegados ao isolamento. Não fosse Bonifácio, irmão de Manuela, nos perderíamos também sem qualquer razão.

 

 

É Boni e sua loucura o que, no fim das contas, sacode nossas expectativas. Sofrendo de esquizofrenia, ele exige do casal o desafio de pertencer a si mesmo, de ser fera solta, indomável em um mundo que a todo tempo nos oprime e deprime. Em sua narrativa na primeira parte, Manuela derrama sua sensibilidade como se regasse um jardim outrora fértil, agora árido. Sam, em sua narrativa na segunda parte, confirma as suspeitas de Manu, em ver no outro aquilo que ele não quer ser. A doença, quando lhe chega, é apenas o traço final de um destino que se esboçava inevitável. Então Boni, o doente, o louco, traz em sua voz, na parte final do livro, o apelo catártico à falta de bom senso em ter razão, se esta for avessa ao que somos, às feras que, presas, nos sufocam em silêncio.

A leitura de Feras Soltas, de Lulih Rojanski, há de ser a catarse necessária do que silenciamos em nós, nos nós da garganta.

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