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Mary, para maiores...

A Poesia Erótica que Desafia Tabus Literários

Anais Nin, para quem o erotismo é tão indispensável quanto a poesia quando se busca o próprio reconhecimento, nos deixou como herança seu precioso diário, escrito ao longo de 60 anos, onde mostra a intimidade de uma mulher em busca de independência e autonomia em um mundo dominado pelos homens. Os volumes de seu diário são de extrema importância literária, psicanalítica e antropológica, mas também constam nas listas de literatura erótica. Escrever poemas eróticos é falar da própria origem. Falar de sexo também é falar de dor.

Com uma sinceridade cativante, a poeta Mary Paes compartilhou suas reflexões sobre como esse tema, muitas vezes considerado tabu, se tornou o epicentro de sua expressão artística.

Nascida em Tacuru - MS, Mary Paes é uma jornalista que tem feito ondas na cena cultural de Macapá, desde 2005. Com uma carreira que começou no teatro e se expandiu para o cinema, fotografia e literatura, Mary tem sido uma força motriz na fundação de vários grupos nessas áreas.

Formada pela Faculdade Seama (atual Estácio Macapá) em 2011, também possui especialização em Docência do Ensino Superior pela mesma instituição, onde atualmente estuda psicologia. A mulher não para!

Em 2010, lançou dois blogs: O Blog da Mary, um espaço para notícias de eventos culturais e artísticos, e Poemas, frases e outras divagações, uma espécie de laboratório para suas criações poéticas. No mesmo ano, suas obras foram apresentadas no livro Coletânea de Poetas,

Contistas e Cronistas do Meio do Mundo, organizado pelo Projeto Sumaúma de Literatura Amapaense. Desde então, Mary tem contribuído para cerca de 10 coletâneas poéticas em todo o Brasil.

Seu primeiro livro, Das declarações de amor que eu não fiz (Clube de Autores; 2017), foi lançado em fevereiro de 2018 e traz um tom epistolar, sugerindo um sentido de espera e idealização do amado. A poética de Mary é aparentemente simples, mas seus versos explodem em uma ampla gama de significados, desafiando o senso comum.

Como uma verdadeira agitadora cultural, Mary escreve em várias linhas literárias, incluindo dramaturgia, roteiros de HQs e contos. Seus Poeminhas Eróticos são particularmente notáveis, um estilo que ela publica regularmente em suas redes sociais. E, embora não se autodenomine fotógrafa — a fotografia é uma paixão em sua vida —costuma ilustrar seus posts de poemas com fotografias de si mesma, criando um trabalho visual impressionante.

Atualmente, lidera o projeto lítero-musical Penélope Moderna, que combina poesia com resistência feminina no contexto social contemporâneo, misturando ritmos como rock, marabaixo, reggae, blues e rap. Ela é acompanhada neste projeto pelos músicos Ládio Gomes e Renato Gemaque.

Em uma conversa franca e reveladora, a escritora abriu as portas de sua mente criativa, discutindo a evolução e a centralidade do erotismo em sua poesia.

Lulih Rojanski & Silvio Carneiro

"Para falar a verdade, eu não sei como foi que o erotismo se tornou tema central da minha poesia", confessa Mary, revelando um aspecto intrigante de sua jornada literária. Ela destaca a provocação inerente ao tema, ressaltando que "falar de sexo é sempre um tabu" e que as pessoas são instigadas por aquilo que é considerado proibido.

 

A escritora acredita que a combinação ousada de sua poesia erótica com autorretratos sensuais, ilustrando suas obras, foi crucial para atrair a atenção do público. "Eu uni a minha poesia à minha própria imagem, às minhas fotos sensuais, que são autorretratos", diz Mary, enfatizando o caráter pessoal e autêntico de suas criações.

 

À medida que ela se apresentou em diversos locais e compartilhou suas composições nas redes sociais, Mary notou um aumento significativo na visibilidade de sua obra. "Conforme as pessoas foram conhecendo isso, conforme eu fui me apresentando nos locais e falando a minha poesia erótica e publicando nas redes sociais, juntamente com as minhas fotos sensuais, acho que isso foi chamando a atenção das pessoas", explica.

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só gosto de carnaval na cama
dançando com meu bem
aquela marchinha bem gostosa
que vai e vem...

Apesar de sua incursão bem-sucedida no universo erótico, Mary ressalta que sua escrita é multifacetada, abrangendo diversos gêneros literários. "Escrevo roteiro de HQ, contos, drama e já contribuí para o teatro", revela, destacando a diversidade de sua produção artística.

 

No entanto, é inegável que o erotismo se tornou uma característica marcante em sua trajetória literária. Mary Paes desafia convenções, desbravando territórios muitas vezes negligenciados, e se firma como uma figura proeminente na cena literária contemporânea. Sua coragem em abordar o que é considerado "safadeza" cativa leitores ávidos por explorar as fronteiras do tabu através da poesia.

"falar de sexo é sempre um tabu"

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não preciso de mapa...
pra percorrer as curvas do teu corpo
mas ainda assim... posso me perder
no teu detalhe mais íntimo

Em uma reflexão perspicaz sobre a interseção entre literatura, sexualidade e erotismo, Mary Paes compartilhou suas ponderações sobre o papel crucial que a palavra escrita desempenha na expressão desses temas tão íntimos.

 

"Eu acho que a literatura tem um peso bastante forte no que diz respeito à sexualidade, ao erotismo e, justamente, na poesia, ela tem esse peso", observa Mary, destacando a influência marcante da literatura na exploração da sensualidade. Ela ressalta a diferença impactante entre visualizar uma cena de sexo e lê-la, enfatizando a profundidade emocional que a leitura proporciona.

 

"Na literatura, quando você lê algo a respeito, aquilo te impacta de uma forma mais profunda. Pelo menos acontece comigo", confessa a autora, revelando sua conexão pessoal com a poderosa relação entre palavras e sensações. Para Mary, a experiência de ler erotismo é uma jornada íntima, onde a interpretação se torna pessoal e profunda.

A escritora destaca a singularidade da literatura ao despertar a sexualidade, contrastando-a com a experiência visual proporcionada pelo cinema ou televisão. "É até diferente de você ver uma cena de erotismo na televisão, no cinema. Quando você lê, é a tua forma de interpretação mais íntima", explica, sublinhando a natureza íntima e solitária da conexão literária.

 

Mary enfatiza a magia única da literatura ao revelar diferentes sensações, estimulando a mente, o corpo e a imaginação. "Eu acho a literatura mágica. Gosto muito", declara, expressando seu amor pela forma escrita que transcende as fronteiras do visual e do audiovisual.

 

A escritora ressalta a singularidade da relação entre leitor e literatura: "A literatura tem os seus encantos, assim, que é indescritível, porque é você com a literatura."

"É até diferente de você ver uma cena de erotismo na televisão, no cinema. Quando você lê, é a tua forma de interpretação mais íntima"

Mary Paes desvenda os intricados caminhos de seu processo criativo, destacando a singularidade e espontaneidade que o caracterizam.

 

"Eu não tenho um processo definido, entendeu? É porque tem pessoas que podem definir o seu processo criativo, eu já não tenho isso", confessa Mary, introduzindo a complexidade e imprevisibilidade que permeiam sua abordagem única à escrita. Ela explora como suas inspirações surgem de forma inusitada, muitas vezes durante atividades cotidianas, como caminhar na rua, transformando momentos simples em catalisadores criativos.

 

As interações sociais desempenham um papel fundamental no processo criativo de Mary. "Na maioria das vezes que eu escrevo, que eu tenho as inspirações, que é o meu processo criativo, são em conversas", destaca a autora, revelando a influência direta das histórias e experiências compartilhadas pelos outros em suas composições.

 

Mary Paes não hesita em reconhecer a fonte peculiar de sua inspiração ao revelar que até mesmo durante uma missa, as palavras do padre foram suficientes para desencadear a criação de um poema erótico. "Outro dia eu fui com a minha amiga na missa e lá o padre falou alguma coisa e na hora aquilo já me inspirou a escrever um poeminha safado", conta Mary, evidenciando a surpreendente origem de suas inspirações literárias.

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Eis o amor...
Essa coisa louca
Que sempre é pouca
Pro tamanho da sede
Que eu tenho do seu gozo
Na minha boca...

A escritora ressalta a importância das conversas em sua vida, enfatizando sua seletividade e solidão. "Eu sou uma pessoa muito seletiva, muito solitária, né? Apesar de parecer que não, mas assim, esse meu processo criativo aparece bastante nesses momentos", explica. Sua habilidade de captar ideias, mesmo nos momentos mais descontraídos, destaca a intensidade e profundidade de sua conexão com a escrita.

 

A escritora também desvela seu comprometimento noturno com a arte, revelando que inspirações oníricas a despertam no meio da noite. "Eu já escrevi vários poemas assim, que eu acordei no meio da noite e escrevi porque a inspiração veio por um sonho ou coisa parecida", confessa Mary, destacando a urgência de documentar suas visões antes que se dissipem com a luz do dia.

 

Em um universo onde o imprevisível dita as regras, Mary Paes prova que a escrita, para ela, é uma dança entre a realidade, os sonhos e os diálogos, moldando um processo criativo tão único quanto as palavras que ela compartilha com o mundo.

"Eu já escrevi vários poemas assim, que eu acordei no meio da noite e escrevi porque a inspiração veio por um sonho ou coisa parecida"

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esta noite eu dormi comigo
acordei tarde
vou tomar café ao meio dia
uma xícara apenas...
depois tomar um banho frio
me pôr linda e com cheiro bom
andar nua pela casa...
e então... ver um filme...
e se me der fome...
preparar algo rápido e gostoso...
não quero nada que me preocupe
nem que me dê trabalho
quero um sábado tranquilo
de languidez e paz
ouvir um som bacana... falar comigo mesma...
e sonhar os sonhos
que ninguém mais sonha...
e o mundo que se acabe lá fora!
porque aqui dentro... eu sou feliz!

Mary Paes compartilha os desafios e transformações que moldaram sua identidade feminina e literária ao longo dos anos.

"Sobre essa questão da feminilidade, eu já fui me descobrir como uma mulher, uma mulher feminina, já depois dos 30 anos", revela Mary, abrindo um delicado capítulo de sua vida marcado por adversidades e autodescoberta. Ela compartilha sua infância difícil, marcada por alergias alimentares que a impediam de desfrutar uma rotina saudável e normal. "Eu fui uma criança doente, porque eu tinha alergias e os meus pais não sabiam que era alergia", compartilha, destacando os desafios físicos e emocionais que enfrentou desde cedo.

 

As marcas de uma infância solitária e cheia de complexos moldaram a autoimagem de Mary. "Eu fui uma criança muito, muito solitária e também uma criança feia, né?", recorda. A falta de compreensão sobre suas alergias a levou a se afastar dos outros, criando uma barreira emocional que a distanciava de sua própria feminilidade.

 

A escritora revela sua luta para se reconhecer como mulher e superar os complexos que a assombraram por anos. "Até os 15, 16 anos eu não era feminina", compartilha Mary, destacando a luta para se aceitar e se enxergar como uma mulher bonita e feminina.

 

A redescoberta de sua feminilidade foi um processo gradual, marcado por momentos de aceitação e empoderamento. "Eu só fui descobrir a cura pra o que eu tinha e evitar os alimentos que me davam alergia, quando eu já tinha mais de 13 anos", revela Mary, destacando o ponto de virada em sua jornada de autodescoberta.

 

Foi somente após os 30 anos que Mary abraçou plenamente sua feminilidade e sensualidade. "Eu realmente me vi, assim, como uma mulher, como feminina e como uma mulher sensual", compartilha, destacando o período de maturidade que marcou sua redescoberta pessoal. A escritora destaca como esse momento de autorreflexão e aceitação foi crucial para seu desenvolvimento literário.

"Depois dos 30 anos, 34, 35 anos, que eu realmente me vi, assim, como uma mulher, como feminina e como uma mulher sensual, e só depois de 2010 que eu passei a publicar as coisas que eu escrevia voltadas ao erotismo", revela Mary, destacando a influência direta de sua jornada pessoal em sua expressão artística.

 

A jornada de Mary Paes é uma história de coragem, resiliência e autodescoberta. Sua escrita, impulsionada por experiências pessoais, reflete não apenas sua jornada de autodescoberta, mas também sua busca pela expressão autêntica de sua feminilidade e sexualidade.

"Sobre essa questão da feminilidade, eu já fui me descobrir como uma mulher, uma mulher feminina, depois dos 30 anos"

Em uma exploração poética única, a escritora Mary Paes revela os bastidores de seu livro intrigante, Das Declarações de Amor que eu não Fiz, lançado em 2018 e ilustrado pelo talentoso Poeta de Minas, Christian Robson, também conhecido como Christian Oliveira.

 

"A minha escrita, se você buscar, fizer uma pesquisa, você vai perceber que eu nunca falo do amor presente, é muito raro eu falar do amor presente, eu sempre falo de um amor futuro", compartilha Mary, destacando a peculiaridade de sua abordagem literária centrada na busca por um amor ainda não encontrado. O livro, como ela descreve, é uma série de declarações de amor destinadas a um amado que ainda não cruzou seu caminho.

 

Com uma ligação profunda entre sua escrita e sua sexualidade, Mary explora a complexidade de se idealizar o amado perfeito. "Essa busca que eu acho que toda mulher tem de encontrar o amado, aquele ser perfeito, que vai atender aos seus anseios, sejam sexuais, sejam de companheirismo, de afeto, de vida", reflete ela, traçando um paralelo entre a espera do amado e a busca incessante pela realização pessoal.

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Ao mencionar seu projeto "Penélope Moderna", Mary expõe uma nova perspectiva sobre a espera pelo amor idealizado. "Essa Penélope Moderna aqui, ela não espera pelo Odisseu, ela espera pelo amor idealizado ainda, é um amor que ainda não chegou", revela a escritora, enfatizando a diferença entre aguardar passivamente e buscar ativamente a realização pessoal.

 

A escritora destaca a importância de não depender exclusivamente do amado idealizado para sua realização. "Eu não espero o amor perfeito chegar para que eu me realize, para que eu busque o que eu quero", afirma, refletindo a essência da independência e autodeterminação em sua abordagem à vida e ao amor.

 

Os Poeminhas Eróticos, que fazem parte do livro, assumem a forma de bilhetinhos, adicionando uma camada epistolar e romântica à obra. "Aí o livro tem esse tom epistolar, né, essa coisa do bilhetinho que um dia essa pessoa, esse ser amado que ainda não está no presente, encontra esses bilhetinhos", explica Mary, sugerindo uma possível conexão futura entre os versos e seu amado idealizado.

 

Mary Paes, com sua escrita única e perspicaz, convida os leitores a explorarem o intricado terreno da busca pelo amor e da espera pelo amado idealizado. Seus escritos não apenas mergulham na complexidade da feminilidade e da sexualidade, mas também oferecem uma visão íntima da jornada pessoal de Mary em direção à realização e autoconhecimento.

"Eu não espero o amor perfeito chegar para que eu me realize, para que eu busque o que eu quero"

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se é de pecado que tu gostas...
eu sou a maçã proibida...
que queres comer.

A literatura erótica, especialmente quando explorada por mulheres, continua envolta em tabus e silêncios persistentes. Mary Paes, uma voz ousada e destemida no cenário literário, compartilha sua jornada única na literatura erótica feminina e destaca o impacto positivo que teve em suas colegas de escrita.

 

"Tem muito tabu, pouco se fala da literatura erótica e pouco se fala da mulher na literatura erótica. Poucas mulheres escrevem erotismo e publicam", observa Mary, reconhecendo a escassez de vozes femininas no cenário erótico. Desde 2013, ela vem desafiando essas limitações, realizando recitais eróticos e inspirando outras mulheres a se expressarem e explorarem o erotismo em suas próprias obras.

 

Ao abordar o início de sua jornada, Mary destaca os desafios enfrentados ao se expor como uma escritora erótica. "Eu tinha tabu com a minha escrita, eu tinha receio de colocar o meu nome, Mary Paes, de assinar o meu nome. Eu até tinha criado um pseudônimo para poder publicar os meus poemas, só que depois eu tive uma conversa comigo mesma", revela. Essa introspecção a levou a uma decisão crucial: assumir plenamente sua identidade e desafiar os estigmas associados à escrita erótica feminina.

O caminho de Mary não foi isento de críticas e julgamentos, especialmente por parte de outras mulheres. "Eu recebia inúmeras críticas negativas de mulheres dizendo que tinham vergonha alheia de mim, que eu era uma sem-vergonha, que eu era uma puta, que eu era uma safada", compartilha. Entretanto, Mary permaneceu resiliente, rejeitando rótulos e desafiando as expectativas sociais. "Se isso é putaria pra você, é pra você, entendeu? Não é um problema meu. Essa safadeza que você tá me culpando, dizendo que eu sou, essa safadeza, ela tá na tua cabeça, ela não tá na minha", afirma.

 

Além dos desafios, Mary destaca as conquistas e as mensagens positivas que recebe diariamente. Seus recitais eróticos, muitas vezes realizados durante a madrugada, proporcionam um espaço seguro para explorar a sensualidade e a sexualidade. "Mulheres que se sentiram mais valorizadas no que elas são e mulheres que se sentiram encorajadas tanto a publicar o que elas escreviam quanto também a publicar as fotos mais sensuais que elas tinham vontade de publicar", revela Mary sobre o impacto de seu trabalho.

 

Mary Paes emerge não apenas como uma escritora erótica destemida, mas como uma defensora da liberdade criativa e da expressão autêntica. Sua história ilustra a importância de desafiar os padrões, encorajar outras mulheres a abraçarem sua sensualidade e redefinir o papel da mulher na literatura erótica.

"Tem muito tabu, pouco se fala da literatura erótica e pouco se fala da mulher na literatura erótica. Poucas mulheres escrevem erotismo e publicam"

Comentários (2)

Convidado:
18 de mar.

Mary Paes vence o tabu poético fazendo da palavra uma pimenta na relação de um casal.

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Convidado:
08 de mar.

É um afago no coração essa matéria tão repleta de carinho e cuidado com a minha história. Gratidão infinita! Abraços e beijos a vcs! ♥️ ass.: Mary Paes

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