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Divulgação

Agualusa: escrever e viver exigem paixão!

José Eduardo Agualusa é um angolano que nasceu nas terras altas de Huambo, mas que se diz quase sem raça, porque certamente prefere a discrição a exibir a rica mistura angolana e brasileira de sua origem, que faz de sua estética um exemplo admirável de beleza e elegância, e de sua essência um escritor admirável. Elogios à parte, meros mortais que somos, gostamos de imaginar o Sr. Agualusa a criar suas personagens, a vasculhar versos para saber como termina um poema ou a arquitetar destinos para saber como termina um romance, sob “um céu em fogo ao fim da tarde”, diante do mar esmeralda de Nampula, na Ilha de Moçambique, onde mora. Provavelmente é neste cenário que sua imaginação tem refúgio, que a criação literária encontra amplidão para o voo apaixonado em busca de romances, contos, crônicas, poemas. A versatilidade da produção literária de Agualusa é uma de suas marcas.

 
Ele, que ama o Brasil tanto quanto um pernambucano e não hesitaria em escolher morrer em Olinda, diverte-se enquanto escreve e talvez aprecie um bom papo à beira-mar, mas uma entrevista à distância não é capaz de lhe arrancar muitas palavras. Foram poucas, porém valiosas palavras!

O Zezeu: Como a diversidade cultural das suas origens influencia a sua escrita?

José Eduardo Agualusa: Toda a diversidade nos enriquece. Cresci lendo autores portugueses e brasileiros, mas também africanos. Alguns desses autores ajudaram-me a encontrar a minha própria voz. 

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OZ: Qual é a importância da música e da poesia africana no seu processo criativo?

JEA: Enquanto escrevo presto muita atenção ao ritmo das frases. Gosto de aliterações, rimas internas, jitanjáforas, tudo que me permita jogar com o ritmo e com a melodia. Talvez essa paixão tenha, sim, alguma coisa a ver com o meu interesse pela música. Há muitos anos que escrevo letras para canções, algo que me dá imenso prazer — e tenho aprendido muito conversando com amigos músicos. 

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Bruno Santos / Folhapress

Toda a diversidade nos enriquece

OZ: E o que seria jitanjáfora, esta proparoxítona que me parece tão carregada de enigmas?

JEA: Um termo criado pelo grande poeta cubano Nicolás Guillén para designar neologismos com ressonâncias africanas, mas sem significado explícito.

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OZ: Na sua opinião, qual é o poder transformador da escrita na sociedade contemporânea?

JEA: Continuo a acreditar que a literatura, em particular os livros de ficção, ao nos permitirem olhar o mundo através de diferentes personagens, ao nos colocarem no lugar do outro, contribuem para reforçar o nosso sistema humanitário. O consumo regular da boa ficção fortalece a empatia. 

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Arquivo pessoal

Escrever, como ler, é também um exercício de empatia.

OZ: Qual é a importância da empatia na escrita e como podemos cultivá-la em nossas vidas cotidianas?

JEA: Escrever, como ler, é também um exercício de empatia. Escritores que só conseguem escrever sobre a sua própria experiência podem até ser grandes estilistas mas falham no essencial. Porque um bom romance implica a abertura a várias perspectivas. 

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OZ: Como o conceito de livre-arbítrio, abordado na escrita, pode ser interpretado e aplicado na vida real?

JEA: Creio que um romancista aprende, com o tempo, com a experiência, a não impor destinos aos seus personagens. Aprende a acompanhá-los, a escutá-los, a dar-lhes condições para que eles  possam ir  construindo a narrativa. Essa arte pode e deve ser aplicada à vida. 

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OZ: Segundo você “Escrever exige paixão. Viver também. Escrever implica disciplina. Viver também. (...) é possível viver com disciplina, e sem paixão — mas não vale a pena.” Como podemos encontrar um equilíbrio entre esses elementos?

JEA: Suponho que a disciplina se possa treinar. A paixão não. Cada pessoa tem de encontrar as suas paixões. Infelizmente, há quem nunca as encontre. Como pai, tento ajudar os meus filhos a encontrarem aquilo que os apaixona. Não quero impor-lhes as minhas paixões. Suponho que algumas dessas paixões sejam contagiosas — por exemplo, a paixão pelos livros, a paixão pela música. Ainda assim, procuro não impor nada. 

OZ: Sei que você é um admirador do escritor Gabriel García Márquez (quem não é?). Você encontrou no novo livro do Sr. Márquez (Em Agosto nos Vemos) a luz festiva de suas outras obras?

JEA: Gostei muito do livro. Mesmo muito. Percebe-se que Gabo se divertiu imenso ao escrevê-lo. É o romance de um autor maduro, que já não precisa de provar nada, e está ali, no território da escrita, por puro prazer. Hoje em dia é raro encontrar um romance assim, sem pretensões, movido pela alegria simples da efabulação. 

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OZ: Como você interpreta a decisão dos descendentes de GG Márquez de publicar seu romance inédito, mesmo contra sua vontade expressa de destruir os originais?

JEA: Este livro não prejudica em nada a obra de Garcia Marquez — acrescenta-a. A mim deu-me uma grande alegria. Agradeço aos herdeiros e agradeço a Gabo, onde quer que ele esteja. 

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OZ: Concordo com o que você disse em sua coluna n’O Globo: “Quando um escritor escreve uma página de que não gosta, ele mesmo a destrói. Destruir uma página nunca foi difícil — difícil é escrevê-la.” Por que GG Márquez não terá destruído por conta própria os originais de um romance de qualidade duvidosa, segundo ele mesmo?

JEA: Porque, no fundo, devia ter carinho por essas páginas. 

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Carlos Wrede / Agência O Globo

Hoje em dia é raro encontrar um romance assim, sem pretensões, movido pela alegria da efabulação

OZ: Você pode falar da sua experiência de plantar livros, como você espera que ela influencie os outros e o que as pessoas podem levar consigo dessa prática?

JEA: Brinco com a ideia de plantar livros. Isso pode ser feito de muitas formas. Gosto muito de um movimento, já com alguns anos, que consiste em abandonar livros em locais públicos, esperando que sejam recolhidos e lidos por quem mais necessite deles. Acredito que os livros também escolhem os seus leitores. 

Agualusa é um dos grandes escritores da literatura contemporânea em língua portuguesa, ao lado do moçambicano Mia Couto, do português António Lobo Antunes e dos brasileiros Itamar Vieira Júnior, Carla Madeira e Conceição Evaristo. Seu portfólio contém mais de 40 livros e traduções para mais de 20 idiomas: A Conjura, romance de 1989; Estação das Chuvas, romance de 1996; Nação Crioula, romance de 1997; Um Estranho em Goa, romance de 2000; O

Vendedor de Passados, romance de 2004; Manual Prático de Levitação, contos de 2005; As Mulheres do Meu Pai, romance de 2007; Barroco Tropical, romance de 2009; Nweti e o Mar, infantojuvenil de 2011; Teoria Geral do Esquecimento, romance de 2012; A Rainha Ginga, romance de 2014; A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, romance de 2017; Os Vivos e os Outros, romance de 2020; Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku - Uma Biografia de Angola, biografia de 2023, entre inúmeros outros...

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