Em bom português, se diz: "Transamos até você sorrir de tanto gozar". Em Joãozinho Gomes, se diz: "Ardi em ti intimamente em riste e não resististe - e gozaste - e riste"...
Talvez os dois mais difíceis gêneros literários - e quando digo isto incluo os textos para teatro, cinema e TV - sejam a comédia e o erotismo. No primeiro, é muito fácil o autor escorregar na piada, forçar a barra e passar longe de ser engraçado _ há casos mesmo do texto se tornar constrangedor e dar vergonha alheia em quem lê. No segundo, é muito fácil e até mesmo corriqueiro cair em um lamaçal de vulgaridades, em nenhuma hipótese, sensuais.
Não há tanto problema em ser vulgar. A vulgaridade, aliás, como a etimologia nos ensina, é aquilo que é próprio do vulgus, isto é, do povo comum. O problema mesmo, principalmente no caso da literatura enquanto arte, é não saber sequer extrair beleza do vulgar ou, no caso da comédia, do risível. Tornando-se, portanto, ridiculus, ou seja, aquele que desperta o riso para si, e não para a piada... Mas voltemos nossa atenção, aqui, para o erotismo.
Os recalques formados em nossa sociedade pela tradição judaico-cristã foram (e continuam sendo) tão prejudiciais à nossa formação que, como válvula de escape, passamos a utilizar os termos que seriam próprios dos prazeres humanos para expressarmos sentimentos como raiva e frustração pelos outros ("foda-se!"). E raramente estes termos são utilizados para expressar graça ou sensualidade. Além disso, tem-se o agravante do patriarcado e da misoginia, onde a posição da mulher no ato sexual é sempre de passividade, de servidão, de algo pejorativo ("coitado!"). É difícil compreender, portanto, como algo tão doce e delicioso, como o sexo, pode estar ligado à raiva ou à frustração. E por que ser a mulher, no sexo, é digno de comentários pejorativos? Façamos, então, um melhor uso de nossa língua _ e olha que aqui eu nem quis empregar duplo sentido! Mas vamos lá...
Que Joãozinho Gomes é um poeta e compositor popular "muito foda" (no melhor dos sentidos), todo mundo sabe. Por isso mesmo, talvez não surpreenda tanto que um livro com poemas eróticos de sua autoria seja, de fato, belo e sensual sem cair em vulgaridades ridículas. A riqueza linguística dos jogos de palavras que Joãozinho emprega e impregna em todo o livro A libido de Érato (Ipê das Letras; 2024), desde a primeira página, é algo realmente admirável. Ele chega mesmo ao ponto de narrar uma cena de sexo oro-anal-vaginal já no primeiro poema, "Adegas de Dioniso" e o leitor mais desatento ficar ainda por um tempo pensando que o poeta só falou de um cara bebendo vinho numa gruta...
O livro traz, ao todo, vinte poemas ilustrados pelo talentoso multiartista Paulo Flores que, com suas cores e traços quase infantis ajuda o poeta a ir desnudando, pouco a pouco, as fantasias mais secretas do(a) leitor(a). "A poesia é lacunar"! - quem leu, nesta mesma edição, a coluna Olhos de ressaca, do poeta Mathias de Alencar, sabe do que estou falando. E em A libido de Érato, Joãozinho Gomes, habilmente, vai preenchendo as lacunas da poesia com seu gozo e com o gozo de quem o lê, como ele mesmo alerta em seu prólogo: "são dos promíscuos esses gozos indomáveis, e dos anjos depravados esses cios ensandecidos, e dos mais insaciáveis esses vinte incendiários".
O livro é dedicado à Mary Paes, outra poeta "foda" (também no melhor dos sentidos) que com sua escrita erótica tira a mulher daquela posição subalterna, citada anteriormente, e a coloca nua num pedestal de deusa-musa-puta que tem desejo e todo o direito de gozar. Vida longa ao poeta Joãozinho Gomes!
Nenhuma beleza me surpreende quando vem da pena de Joãozinho Gomes. Tudo nele é encantador.
Ori Fonseca
Que beleza de resenha, Silvio! Digna de toda a intensidade do livro do Joãozinho Gomes.
Mathias de Alencar.
Sinto-me muitíssimo lisonjeado pela bela resenha. Gratidão a Revista Literária O Zezeu