Por Camila Baia
Todas as manhãs, saía cedo de casa para pegar o ônibus intermunicipal. Antes das sete já estava apertada entre tantos outros usuários do transporte, sentar-se era sorte e ela não era sortuda, ia em pé, observando as janelas imundas do transporte que em alguns pontos pareciam ter um lodo verde.
Ainda era verão, além das cadeiras tão sujas que encardiam qualquer roupa, a poeira que entrava pelos vidros abertos completava a sensação de sentir-se suja.
No começo se importava, mas precisava trabalhar, então se estava apertada no último degrau da escada, entre pessoas e a porta já não se importava, importava trabalhar e conseguir pagar as contas.
Importava-se em não chegar fedendo, levava sempre um kit de higiene na bolsa: perfume, pente, um óleo, um creme dental, uma escova de dentes, um espelho e um batom. Não importa o dia, sempre tinha batom nos lábios e um na bolsa para retocar.
Nos primeiros dias, ao chegar no trabalho teve que aguentar o desdém de quem ia trabalhar de carro:
- Credo, essa roupa era pra ser branca?
- Eu é que não teria coragem de vir trabalhar assim toda encardida.
Também isso já não importava, importava pagar as contas e conseguir comer.
Não queria chegar com o aspecto de suja, começou a ir trabalhar com uma blusa de mangas longas por cima do uniforme branco. Salvava o uniforme, entretanto ainda sentia a sujeira no rosto, limpava como podia, retocava o batom e seguia... a sensação de sujeira não importava, precisava do emprego para pagar as contas e seguir a vida.
À noite, em casa, banhava-se sem demora, pois, a água poderia faltar a qualquer momento. Seguia para o tanque e esfregava o uniforme com sabão de coco e alvejante até os dedos doerem para tirar a sujeira que tanto insistia em grudar naquele tecido.
Perguntaram-lhe por que não usava os carros piratas, chegaria mais rápido e menos suja. Disse que gostava de andar de ônibus, riram. Era mentira, todavia envergonhava-se de dizer que era pobre, que esse era o primeiro emprego que lhe assinava a carteira e já começara devendo o dinheiro que emprestou de parentes para poder ir trabalhar.
Pensava no próximo mês, receberia o vale transporte da empresa, o vale alimentação, ainda não conseguiria comer no restaurante da empresa, teria que ficar mais um mês levando as marmitas de ovos fritos com arroz, farinha ou macarrão que comia às escondidas e nem pagaria o plano de saúde (mesmo com o desconto da empresa), porém poderia pagar as contas de energia, de água e da mercearia, quem sabe até sobraria para colocar um pacote de internet no celular?
O chefe era horrível, homem grosseiro, dava ordens aos gritos, às vezes parecia se divertir em desfazer do trabalho que ela fazia, às vezes sentia-se humilhada com a grosseria com que ele a tratava, sorria abaixava a cabeça e seguia. Sabia que se ele a demitisse dificilmente conseguiria outro bom emprego, recusava-se a pensar em como seria ficar desempregada de novo, lembrava dos dias longos entregando currículos debaixo de sol forte, lembrava da fome disfarçada com qualquer coisa com farinha... era um homem horrível, mas o suportaria porque precisava do emprego, se ele era ruim com ela, que importava?
Então, em um dia comum, o ônibus quebrou no meio do caminho, se esperasse outro seria um atraso horrível, chamou uma moto. Tinha pavor de andar de moto, mas não importava, importava chegar no horário.
Pediu ao motoqueiro para ir depressa, se não se atrasaria. Mesmo se ela não pedisse, depressa ele iria na expectativa de mais rápido conseguir outra corrida.
Ziguezagueavam entre carros e caminhões, dois sinais vermelhos ele conseguiu com sucesso furar, porém no terceiro colidiu com um caminhão que de repente surgiu.
E ela estava no chão, tão suja, tão encardida, mas já não importava porque seu descanso dali em diante teria.
A empresa perdera uma ótima funcionária, que importava, porém? Publicariam uma nota de pêsames nas redes sociais e convocariam a próxima do cadastro reserva.
Não estava esperando por esse final. Me surpreendeu!