O Bom marido | Camila Baia
- Silvio Carneiro
- 25 de ago.
- 3 min de leitura

Era um bom homem, igual não se encontra mais... que falta nos fará... – diziam-lhe os amigos do marido. Em resposta e mulher suspirava e balançava a cabeça.
- Trinta anos de casados! – surpreendiam-se as esposas dos amigos do marido – e parece tão jovem ainda!
Tinha 45 anos, o marido, que acabara de falecer tinha 70. Casou jovem, não tinha grandes sonhos, muito pelo contrário, sonhava em poder comer três vezes ao dia e talvez repetir a refeição. Quando conheceu o marido trabalhava como empregada na casa de uma de suas irmãs, não tinha salário, já bastava a patroa ter que lhe dar um teto, um pouco de comida e umas roupas usadas que as filhas já não queriam.
Veio do interior sonhando com o diploma de professora e ainda guardava na lembrança a promessa de que viria para a cidade estudar e em troca iria ajudar a patroa com os serviços da casa... um ano já tinha se passado, todos os serviços da casa eram dela, acordava antes do sol nascer e era a última a se deitar, mas não estudava, nem sequer começou, antes precisava pagar com serviço todas as despesas que a patroa teve com ela para trazê-la e ainda haviam as despesas de alimentação e com as roupas (usadas) que a patroa lhe forneceu para que ela pudesse “andar na cidade sem parecer cabocla”... Era uma conta tão grande que por mais que ela trabalhasse e que pouco comesse não conseguia quitar.
Certo dia então, um senhor apareceu na porta da casa, um homem alto, gordo e com cabelos parcialmente grisalhos. Era o irmão da patroa que estava fazendo uma visita.
- Sabe menina, passei uns anos fora, viajei por São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília... já foi em algum desses lugares? Não, claro que não, você não tem cara de quem viajou pra lugar nenhum.
Antes de terminar a visita perguntou a irmã sobre a menina:
- Veio comigo do interior para ajudar na casa, não é muito inteligente, mas é asseada, obediente e aguenta bem todos os serviços do lar.
- Gasta muito?
- Quase nada, mal come e se contenta com qualquer coisa. Por que? Por acaso vai querer levar a minha empregada para trabalhar na sua casa?
- De empregada eu não tenho precisão. Não, pelo contrário, tenho uma gorda e velha que quero mandar embora... Essa aí me servia bem como mulher, se colocar uma roupa melhorzinha até deve servir.
- E eu fico sem ninguém na casa?
- Mulher, te pago uma viagem ao interior e lá você arruma outra rapidinho.
- Não sei... essa eu já ensinei tudo...
- Desembucha mulher, o que tu quer?
- Não sei, talvez aquela bolsa que vi na vitrine daquela loja no centro...
- Pois está feito. Amanhã mesmo lhe trago a tal da bolsa.
Depois disso foi falar com a menina:
- Até que você é bonitinha. Já pensou em casar?
- Não senhor.
- Pois devia, se tivesse um marido como eu ia ter uma casa boa, umas roupas melhores.
- E ia poder estudar pra ser professora?
- Você sabe ler? Escrever? Fazer as somas?
- Sei sim senhor.
- Então precisa mais de quê? Eu, como seu marido, hei de lhe dar de um tudo. Até lhe levo para passar a lua de mel no estrangeiro, para ver como sou generoso. Além disso, marido melhor não há de lhe aparecer, se for ser professora vai ser uma solteirona e morar num quartinho qualquer com outras solteironas. Não é melhor ter uma casa sua com um marido que lhe quer?
Casaram-se poucas semanas depois, uma cerimônia bonita, com gente importante, o evento foi reportado nas colunas sociais dos jornais locais (ela ainda tinha os recortes das matérias).
Não tinha queixas do marido, ele não lhe batia, não faltava nada em casa, tinha boas roupas e até foi com ela visitar a família no interior, de onde trouxe uma prima para ajudar na casa, em troca deixariam a menina estudar para ser professora. No começo o marido não quis que a menina estudasse até pagar o que lhe devia, mas para agradar a esposa concordou, desde que a menina trabalhasse de dia e estudasse a noite... quando a menina se formou professora, convidou os dois como paraninfos.
Tiveram outras meninas ajudando na casa ao longo dos anos, todas estudaram, algumas casavam logo, outras ainda se formaram.
Tiveram apenas um filho, logo no segundo ano de casamento, hoje ele era doutor advogado e morava em Brasília, casado, pai de uma menina.
Suspirava no velório.
-Sim, ele foi um bom marido. Não havia marido melhor, fará muita falta.
- E o que fará agora que ele morreu? – lhe perguntavam
- Vou estudar para tirar meu diploma de professora.





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