Ela | Raynah Freitas
- juliarojanski
- há 6 horas
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Atenção: O conteúdo a seguir pode ser sensível para algumas pessoas, se você é uma pessoa sensível ao tipo de assunto abordado no texto, recomendo que você não o leia!

Odilon Redon (French, 1840-1916)
Lá estava ela novamente, eu a observava do alto. Ela parecia triste hoje, seu olhar era frio como aquele dia, parecia que tudo naquele dia era para ser cinza. Ela caminhava tranquilamente pela rua. Era de manhã. O Sol, apesar de já estar ali a um tempo, parecia não aquecer o solo, nem nossos corações, como ele sempre fazia, ele parecia apenas observar nós dois, de longe.
Ela virou a esquina e eu voei até o outro poste... ela fez uma compra, parece que ainda não me notou. Ela parece estar ocupada. Sua mãe chegou. Vou até seu muro. Mesmo com sua mãe presente, ela continua séria, com esse olhar sem cor, escuro, ela realmente está triste! Que pena. Seu sorriso é tão bonito, seus dentes são perfeitos, brancos como a neve, suas covinhas são incríveis, seus olhos sorriem também, as dobras de seu rosto são perfeitas, é tão encantador, mas ela está triste hoje. Chegou a hora do almoço, sua mãe foi embora e começou a chover, deixando o dia ainda mais cinza, estendeu-se durante o dia todo. O entardecer logo chega e eu me retiro novamente.
Como de costume, cheguei cedo. Assim como ontem, o dia estava cinzento e frio novamente. Pousei no poste de costume, tinha mais humanos na frente da casa dela do que eu sei contar, “Que estranho!”. Cheguei mais perto por curiosidade, como os outros humanos perante sua casa, mas eu tinha uma melhor visão, pois posso voar sobre suas cabeças com minhas asas negras.
Na casa dela tinham homens de vermelho e outros de preto, além carros no lado de fora, as luzes vermelhas e azuis que caíam sobre si como um manto lilás, eles faziam muito barulho. Alguns humanos conversavam alto e outros baixo, falavam sobre ela, como uma jovem bela, gentil, educada, honesta, feliz... “Não posso entrar na casa”... muitas cigarras cantam agora, desde mais cedo, “O que há com elas?”.
Olhei para a casa novamente, estava lá a mãe dela, chorando, os homens de preto falavam no rádio, segurando suas armas na cintura, bem ao lado da porta. Saiu um homem de vermelho segurando algo nas mãos, “São cabos?” eram cinzas. Logo atrás uma mulher o ajudando a carregar o que quer que fosse aquilo. Chegou um carro branco com uma... cruz vermelha? Talvez.
O homem e a mulher, ambos de vermelho, carregavam aquilo até o carro branco e aquilo estava com uma coisa sobre si, algo metálico, mas o vento gentilmente removeu-o de cima daquilo, mostrando-nos o belo rosto dela. Ela estava pálida, olhos fechados e fundos, lábios roxos, ela estava como o dia: cinza, sem cor, triste. Nesse momento as cigarras cantaram loucamente e muito mais alto. Eu olhei para seu corpo... ela estava suja, seus pulsos pareciam abertos, ela estava imunda de sangue! Sua roupa branca, agora estava vermelha. Levei uns minutos até entender isso direito... sim, ela tirou a própria vida! E mais uma vez, eu presenciei isso, o pior é que eu não posso fazer nada. Alguém me viu e me expulsou.
- Saia! Seu corvo imundo!
O que mais eu poderia fazer se não sair? Apenas me retirei.
Minha última visão dela foi a mais triste. Sua mãe chorava, gritando pela filha. Ela estava deitada, seus pulsos cortados, encharcada de sangue e lágrimas já secas em seu rosto, pálida, sem cor, com uma expressão de dor e tristeza. O dia estava lagrimando agora, o Sol se escondeu de tanta tristeza, as cigarras não pararam de cantar mesmo quando a tiraram dali, ela estava sem cor, assim como o dia, e eu, o corvo, lamentei por ela e por presenciar novamente a morte de mais um humano.
Raynah Freitas, estudante de Letras pela Universidade do Estado do Amapá, nascida e crescida em Santana, no Estado do Amapá, uma pessoa curiosamente paradoxal, vezes abstrata, vezes objetiva.
Fabulosa 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻