top of page

A bolsa Amarela de Lygia Bojunga | Stefanne Martel*

  • Foto do escritor: Silvio Carneiro
    Silvio Carneiro
  • 21 de ago.
  • 3 min de leitura

 


Karina Herrmann Kuschnir, 2013
Karina Herrmann Kuschnir, 2013

 

Lygia Bojunga, nascida em Pelotas, Rio Grande do Sul, no dia 26 de agosto de 1932, é uma escritora brasileira de literatura infanto-juvenil. Sua primeira obra, “Os colegas”, foi publicada em 1972. Com 92 anos, possui 23 obras publicadas, entre elas, “A bolsa Amarela”.


A bolsa amarela, romance publicado em 1976, narra a história de Raquel e seu conflito diante da necessidade de esconder suas três grandes vontades: a vontade de ser grande, a vontade de ter nascido menino e a vontade de escrever. Já em um primeiro contato, é possível notar que uma crítica se faz presente na obra. Em primeiro lugar, embora seja muito comum que as crianças desejem ser adultas, os conflitos de Raquel nos levam a questionar o porquê deste desejo. Ao longo da narrativa, somos apresentados a uma criança que é reprimida em cada pequeno aspecto pelos adultos que a cercam. Querendo saciar sua vontade de escrever e de ter um amigo com quem conversar, Raquel inventou o André, para quem escrevia bilhetes e cartas. Quando seu irmão mais velho a proibiu de continuar escrevendo, Raquel declarou: “Não adianta, André: gente grande não entende a gente.” (Bojunga, p. 18, 1976).


Frequentemente, mergulhados em seus próprios interesses, os adultos acabam por desconsiderar a criança como um ser social completo, com suas individualidades. Contudo, não é incomum que esses mesmos adultos não hesitem em censurar cada comportamento das crianças que julgam incômodo. Esse comportamento é nítido na vivência de Raquel - daí sua vontade de ser grande. A sociedade silencia a criança e não se atenta às suas questões mais profundas, o que nos leva à segunda grande vontade de Raquel: a de ter nascido menino. Uma pesquisa realizada pela pesquisadora Jéssika Vales Laranjeira da Universidade do Pará (UEPA), na Escola Estadual Cinderela (Ananindeusa-PA), demonstrou que há uma identificação por parte das meninas especialmente com esse conflito da protagonista. As crianças envolvidas nesta pesquisa, revelaram que “é mais bacana ser menino”, o que nos mostra qual é o sentimento da criança - especialmente das meninas - em relação a mais uma imposição da sociedade, a qual elas não estão alheias. Raquel reflete sobre os privilégios dos meninos, o fato de ela não poder “jogar uma pelada” sem sofrer o julgamento alheio, de forma ingênua, mas ainda inteligente. 


Partindo para a terceira vontade, podemos ver na criança uma necessidade de se fazer entender pelo mundo, daí a urgência de Raquel em escrever. Para conter suas vontades e escondê-las do mundo, Raquel encontrou a oportunidade perfeita entre as doações de sua tia Brunilda: uma bolsa amarela que ninguém quis. A bolsa torna-se uma extensão de sua imaginação e da sua jornada de autoconhecimento e aceitação. Nela, Raquel guardava suas vontades e seus novos amigos, o galo Afonso, o Alfinete e a Guarda-chuva. Cada um desses personagens representam um aspecto importante do conflito da protagonista, sendo a bolsa amarela o seu medo de nunca ser aceita (a bolsa estava sempre “pesada” e ela lutava para continuar a esconder de todos o que guardava ali), o Alfinete é a personificação de sua vontade de ser escritora, a Guarda-chuva representa sua vontade de ter nascido menino e o galo Afonso é sua vontade de ser grande. Brilhantemente, o final de cada um desses personagens culmina na aceitação de Raquel de ser quem é e lutar pelos seus sonhos. Ao longo da sua jornada, nossa protagonista entende que tudo bem ser criança, que ela pode ser feliz sendo menina e que podia sim ser escritora. Simbolizando essa autodescoberta, o galo Afonso e a Guarda-chuva partem juntos para uma nova aventura, deixando Raquel para trás com sua bolsa amarela - que já não pesa mais - e seu Alfinete. Agora ela pode seguir com a vida mais leve e livre.


Ler A bolsa amarela, é uma experiência única, bela e rica, independente da idade. Uma história que poderia ser de qualquer um que já sentiu medo de ser quem é ou ainda sente. É preciso coragem para lutar pelo que se sonha e acredita, e Raquel com sua esperteza de criança, nos ensina isso. E nessa jornada, nós nunca estamos sozinhos. Raquel abraça nossa criança interior e também o adulto que um dia sonhamos ser. 

 



*Stefanne Martel, graduanda de Letras pela Universidade do Estado do Amapá (UEAP), nascida em Macapá-AP, criada em Santana - AP. Ama Jesus, livros e estudar literatura. 

 

Comentários


bottom of page