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Los 17

Orivaldo Fonseca - João Pessoa, PB

Los 17

Sim, o amor se compra. Comprei-o por alguns reais a um comerciante de Macapá. Regateei, como sói acontecer nas transações comerciais, mas acedi com a sensação, porém, de que a compra poderia sair por preço mais módico. Examinei-o, embalei-o e o levei comigo. Chegando a casa, lavei-o adequadamente para lhe fazer uso — a peça precisava de alguma higiene. Na verdade, não fiz isso sozinho, tive o incentivo e a cumplicidade de minha companheira de vida e dor, Marcela. Aliás, ela foi a grande entusiasta da aquisição, a pessoa a conduzir a coisa embalada e a banhá-la apropriadamente.

Mas eis que…

Fomos enganados! Compramos uns gramas de amor, mas o amor não estava naquela compra, ou ainda não estava porque…

NÃO! O amor não se compra! Recebi-o de graça e sem reclamação de troco. Aquela coisa pela qual pagamos (vou alternar entre as primeiras pessoas do singular e do plural), passou a produzir amor em escala vertiginosa, que não sabíamos mais lidar com tanta entrega, haja vista que naquele tempo, o ano de 2007, já estávamos repletos do amor recebido de outra compra, do mesmo vendeiro, três anos antes, porque, incautos, achávamos que amor puro não podia caber em frasco tão pequeno. Nem imaginávamos que algum produto de venda pudesse ser alçado à qualidade de filhos.

Mas voltando ao dia em que a compra chegou a nossa casa, depois da limpeza e da reclamação pela limpeza, ela mostrou a que veio ao mundo: AMAR! Amar incondicionalmente, amar ilimitadamente, amar diuturnamente. À coisinha foi dado o nome de Meg, e, embora tenha sido comprada como coisa (essa palavra tão abrangente), jamais foi tratada como tal, até porque ela não deixava. Na primeira noite em casa, ela deixou bem claro que seu lugar de dormir era em nossa cama, de preferência comigo, sob minha coberta. Às vezes eu reclamava com um sorriso cúmplice nos lábios e nos olhos e dormia o sono de alguém que sabia estar sendo amado. Hoje, a falta desse aconchego deixa quilômetros de cama no vazio. Quanto eu daria para ter apenas os centímetro que ela me deixava.

Diferentemente de Marcela, a machadiana, que amou Brás Cubas durante quinze meses e onze contos de réis, Meg amou-me por quase dezessete anos. É muito tempo de amor para um ser humano. Foi a vida toda para ela, e eu não tenho natureza biológica e anímica para corresponder a um fragmento desse amor. E a amo como pouco tenho amado na vida. O número de seus quase dezessete anos de vida faz-me lembrar da canção Volver a los 17, da chilena Violeta Parra:

“Volver a ser, de repente
Tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo
Como un niño frente a Dios”.

​Não! O amor não se compra. Ele vem disfarçado de coisas e nos surpreende extravasando dessas coisas. Como já escrevi em outra ocasião, “o amor é traiçoeiro”. Como já se perguntou Caetano:

“Mas e se o amor ja está, se há muito tempo que chegou e só nos enganou?”.

​Mais recentemente, esse amor, o puro, o que nada pede em troca além da liberdade de amar mais ainda, estava acondicionado em uma matéria de pouco mais de dois quilos. Aos prantos, ao abraçar aquele corpinho com um filete de vida, pensei: Meg é um buraco negro às avessas de amor. Um corpo de pouquíssima massa que emite um quantidade enorme de energia amável. Sei que, em se tratando de amar, não chego ao minúsculo pelo de seu corpo, mas meu amor por ela é o mais intenso que meu coração humano pode produzir.

Meg continua presente entre nós, além das lembranças em todos os cantos da casa, em dos filhos que herdaram da mãe a capacidade de nos amar sem limites. Amamo-los dentro dos limites nossos e amamos muito. Com isso, minha filha foi generosa. Além de nós ter dado um amor impossível de ser alcançado por um humano, ainda nos deixou reservas para o caso de sua falta.

Volver a los diecisiete

“Eso es lo que siento yo en este instante fecundo”

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