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Skidmark Steve: O Último Profeta | por R. F. Raiol

  • Foto do escritor: Silvio Carneiro
    Silvio Carneiro
  • 21 de mai.
  • 7 min de leitura



Todas as pessoas de Macapá foram convidadas pelo prefeito para irem para frente do monumento de São José, a Fortaleza.


Todos chegavam com seus carros consignados e através de ônibus fretados pela própria prefeitura.


Alguns empresários de Macapá, os mais bem-sucedidos, pagaram com seu próprio dinheiro o transporte de pessoas mais pobres que moravam distante do centro urbano.


Muitos vendedores ambulantes aproveitaram a oportunidade para comercializar comidas e bebidas, mas não havia espaço no estômago de ninguém para isso; todos estavam com um embrulho opressor no corpo.


Um grande palco foi montado, o mais sofisticado dentre todos já feitos na história da cidade. Nem os artistas mais renomados dos últimos cem anos tiveram um palco tão incrível — brilhante, espaçoso e com um símbolo muito incomum estampado num enorme painel (símbolo tão incomum que eu, autor deste texto, sou incapaz de descrever).


Uma mãe solteira com sua filha pequena se aproximavam da multidão extensa e barulhenta. Embora todos estivessem ansiosos e curiosos com o espetáculo, algo dentro da mãe da garotinha a perturbava intensamente. Mas ela não esboçava nenhum incômodo, pois não queria transmitir insegurança para sua criança.


As duas estavam chegando mais perto da aglomeração quando passaram por um mendigo — um mendigo muito exótico e que claramente não fazia parte do povo local. Ele tinha um queixo muito grande e manchas brancas pelo corpo. Sujeira? Estava doente? Marcas de nascença? Difícil responder, mas ele era muito estranho…


— Mamãe, quem é esse homem? — perguntou a criança.

— Ah, filha, ele é um pouco famoso na cidade. Viveu muito tempo nas ruas, apesar de dizerem que é rico. Esse é o Skidmark Steve. Por quê?

— Mamãe, ele não para de falar dentro da minha cabeça. Tô ficando com medo…

— Ele consegue fazer isso, filha. Todo mundo escuta. Tudo bem, você precisa ouvir o que ele tem a dizer.


As duas chegaram perto da multidão. O prefeito, sorridente e com seu modus operandi, estava no palco, mas, de um segundo para outro, ele e toda sua equipe, assim como todos que estavam lá em cima (músicos, DJs, assessores), saíram pelos fundos, deixando o palco vazio.


Todos se questionavam o porquê daquilo. Iniciava-se um burburinho irritante, até que um homem diferente tomou o palco para si e o silêncio se instaurou. Todos ficaram estupefatos com a elegância do homem que ocupava os enormes telões. Branco, alto, careca, vestido de um terno extremamente fino e requintado. Era evidente que esse homem tinha uma quantidade exagerada de dinheiro.


Mesmo com a quantidade colossal de pessoas amontoadas, todos permaneciam em silêncio e pareciam forçar o silêncio contínuo, como se suas mentes estivessem sendo domadas.


Então, de repente, o homem levantou os braços e começou a falar:


— Cidadãos de Macapá, Amapá, e emigrantes de outras regiões, eu saúdo-os. Tamanha é a minha alegria por estar aqui. — O sujeito permitiu que uma única lágrima caísse de seu olho esquerdo. — Hoje, todos nós estaremos iniciando uma nova era no norte do Brasil. Sim! Vocês estão atrasados, pois o mesmo espetáculo eu preparei em outras cidades, mas nós o ocultamos da mídia para que vocês também tivessem a experiência reveladora. — O sujeito, com intenções ocultas, pigarreou de propósito. — A partir de agora, eu serei conhecido por vocês como O Último Profeta e nada mais. Minha idade não importa. Minhas raízes não importam. A quem sirvo, isso sim, isso importa e muito. Eu estou aqui por ele e por vocês. Mas principalmente, estou aqui para apresentar a vocês a nova obra do meu lorde. Vejam, apresento a vocês… o Eterno Messias!


O homem elegante estendeu seu braço em direção a uma forma humanoide que lentamente saía dos bastidores e caminhava em direção ao centro do palco. Absolutamente todos os holofotes se voltaram para a figura excêntrica, assim como o olhar de todos os seres vivos presentes.


A figura era estranha, é verdade, completamente diferente de um ser humano. Mas, de acordo com o atual momento da tecnologia, era de se esperar que se parecesse com um robô. Mas não era nem um, nem outro. A pele era fina demais, permitindo aparecer grossas veias do que poderia vir a ser o veículo interno do sangue (embora não fosse apenas sangue). Seus olhos não eram vivos ou sequer humanos, mas olhavam para todos ao mesmo tempo. Seu olhar era capaz de se dividir e olhar individualmente para cada um, sem exceção, ao mesmo tempo. Seus pés não pareciam tocar o chão… alguma força invisível sustentava seu andar e o movimentava pelo palco. Ele não usava roupas, não tinha unhas nem possuía um órgão genital. A coisa levantava a mão em sinal de saudação, porém transmitia uma sensação de autoridade e escárnio.


— Não é lindo? Esse é o primeiro ser vivo híbrido! Nele há genes de todos os seres humanos do planeta, assim como todos os animais existentes e extintos, e seu cérebro é formado pelo computador mais eficiente de todos. Ele é a máquina perfeita e, esse símbolo nas costas… — O Último Profeta apontou para um símbolo frisado nas costas da coisa, o mesmo símbolo que ocupava o painel central do palco. — Esse é o símbolo que vai nos conectar com o rei e líder verdadeiro do universo! Ele é a obra absoluta que torna legítima a existência da vida!


Toda a multidão, sem exceção, começou a murmurar entre si, questionando e fazendo conjecturas sobre o que estava acontecendo. Embora o som aumentasse com o passar do tempo, o Eterno Messias em pé no palco já demonstrava sua influência sobre toda a população. Ele (ou ela) levantava apenas uma mão e todos retornavam a adotar o silêncio sepulcral.


— Percebam, senhoras e senhores, que este silêncio não é à toa. Ele pode, sim, ler suas mentes e dominar seus comportamentos. Ele sabe antes de você o que é melhor para todos nós. Foi para isso que o construímos. Foi para isso que eu o construí! Para decidir por mim, por você e por qualquer um.


O silêncio se tornava lei rapidamente. Todos observavam o palco, a coisa em pé e o homem elegante com o máximo de atenção possível. Mas havia duas pessoas distantes que não estavam tão impregnadas da alienação alheia.


— Mamãe, isso não parece certo…

— Porque não é, filha. Nós somos livres para escolher. O que esse cara está falando é…

— O Skid… Ski… Mamãe, o Steve parou de falar. O que aconteceu? — interrompeu a garotinha.

— Ele parou? — A mãe começou a rir. — Então não se preocupe, algo extraordinário está para acontecer.


Não se sabe como, não se sabe quando, mas Skidmark Steve fez uma coisa que ninguém ali era capaz de fazer. Ele decidiu. Steve se esgueirou entre a multidão sem ser percebido, milagrosamente passou pelo grupo de controle e repressão de multidões, subiu no palco e caminhou em direção às duas figuras imponentes.


As manchas brancas que marcavam seu corpo inteiro, por mais que transmitissem uma sensação geral de estranheza, pareciam reluzir toda a luz dos holofotes e emanar uma aura de glória e esplendor. O brilho intenso de seus olhos negros parecia estar mais vivo do que o próprio Eterno Messias.


Skidmark Steve andava sem cambalear, firmemente, encarando a coisa tão incisivamente que era evidente para todos ali sua genuína intenção de querer destruí-la apenas com o olhar. Então, a coisa se voltou para Steve, mas não o tocou, apenas o impediu de se aproximar cada vez mais, e o fez uma pergunta.


— Quem é você? — perguntou o Eterno Messias.

— Você não tem a mim no teu banco de dados? Nunca vai ter. Eu não aceito nem respondo ao teu sistema — respondeu Skidmark Steve.

— Por que não posso te controlar?

— Porque meu destino não depende da obra de nenhum homem corrompido pelas trevas.

— O que pretende fazer?

— Toda a minha vida tem apenas um propósito, criatura.

— Você não vai mudar nada.

— Eu não preciso. Ele já determinou antes de eu subir aqui.


A figura humanoide, irracional e repentinamente, golpeou Steve no pescoço, quebrando seu frágil corpo de carne e osso por completo, levando-o a óbito no mesmo instante. Quase que de maneira imediata, sangue escorreu pelo palco até a soleira dos sapatos caros do Último Profeta.


Ademais, quando a primeira gota de sangue inocente pingou do palco e atingiu o chão sob os pés da população inerte, a ira se instaurou completamente. Os olhos estupefatos do povo foram tomados pela raiva e desejo de justiça. Esse era o responsável por guiar o destino da humanidade? O murmúrio se espalhou e se intensificou até se tornar um grito de revolta.


As primeiras fileiras da multidão, próximas ao palco, pularam as divisórias que afastavam as pessoas daqueles que estavam no alto. Os seguranças da região, formados por máquinas não pensantes — apenas andróides de controle — apontaram suas armas de uso letal para o povo e dispararam.


A multidão, irada, revoltada e louca, partiu para cima daqueles que ameaçaram a ordem natural. Balas e mais balas foram disparadas, causando a morte instantânea de centenas de pessoas. As máquinas, treinadas na mais alta e elevada arte de combate, esforçaram-se para defender aqueles que as controlavam. Porém, não foi o suficiente.


A custo de muito sangue e caos, os grupos de controle foram subjugados. O palco fora tomado por todos os lados e invadido por seres humanos revoltados com a injustiça e imposição da tirania. Agarraram o Último Profeta e o imobilizaram. O Eterno Messias tentava influenciar as pessoas a não agir, e nada adiantou. Uma força superior comandava a ira da população.


O Eterno Messias foi destruído com as próprias mãos das pessoas, revelando que, em seu interior, não existiam órgãos normais — apenas componentes eletrônicos e fluídos que imitavam o cheiro de ferro puro. A coisa inumana, o Eterno (e falso) Messias, apagou o brilho artificial de seus olhos projetados em laboratório e emitiu seu último ruído, que gradativamente se misturava ao som das vozes das pessoas reais.


De longe, a mãe, ao lado de sua filha, assistia à cena com o máximo de atenção possível. Ambas estavam assustadas, mas isso não as impediu de se abraçar o mais forte possível e clamar, em seus interiores, a proteção do verdadeiro Deus vivo.


— Mamãe! Mamãe, eu ainda consigo ouvir o Steve, mas a voz dele está diferente…

— Eu também o ouço, filha… Não se preocupe, eu também preciso aprender a identificar quem ele é.

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