Por Lulih Rojanski
Marcela Dantés é uma daquelas raras escritoras cuja trajetória literária reflete suas próprias histórias. Desde cedo, a paixão pela escrita foi um farol que guiou suas escolhas e esforços. Em nossa conversa, ela nos convida a mergulhar nos momentos cruciais de sua carreira, desde os primeiros rabiscos até as publicações que marcaram sua entrada no mundo literário.
"Eu sempre gostei muito de escrever. Sempre foi uma coisa que me encantou e me moveu mesmo, acho que desde a alfabetização."
Na entrevista a seguir, Marcela nos oferece um vislumbre íntimo de sua jornada, destacando os momentos de transformação que a moldaram como escritora. Desde as primeiras linhas escritas na infância, passando pela rica experiência da pós-graduação, até a decisiva oficina de Criação Literária com Assis Brasil. Cada etapa representa um degrau na construção de uma carreira marcada pela dedicação e pelo constante aperfeiçoamento. Acompanhe mais de perto os sucessos e desafios que definiram a trajetória de Marcela Dantés.
O Zezeu: Como foi a sua iniciação na literatura? Conte-nos um pouco sobre seus primeiros escritos e suas primeiras publicações.
Marcela Dantés: Eu sempre gostei muito de escrever. Sempre foi uma coisa que me encantou e me moveu mesmo, acho que desde a alfabetização. Mas eu comecei a pensar a escrita como um ofício mesmo, mais ou menos em 2012, quando eu fiz uma pós-graduação aqui, na PUC-MG, em Pensamentos Criativos, Palavra e Imagem. Foi quando eu comecei a tentar racionalizar o meu processo criativo e a entender tudo que eu podia fazer com a literatura. E aí, no ano seguinte já, eu fui fazer a oficina de Criação Literária do Assis Brasil, em Porto Alegre. Eu acho que esse momento foi um grande divisor de águas pra mim, porque eu tava pela primeira vez em uma sala com outras pessoas que queriam escrever, pessoas que queriam publicar, orientadas pelo Assis Brasil, que é um grande escritor e um grande mestre. Então, aquilo realmente foi um impulso muito grande. Eu saí dessa oficina com a ideia de trabalhar um livro, que foi o livro "Sobre pessoas normais" (Patuá; 2016), meu primeiro livro de contos. Então, alguns contos já foram estruturados nessa oficina e outros depois, mas a partir de tudo que eu tinha aprendido ali, enfim, de tudo que eu vi, todo mundo que se vislumbrou nessa oficina. Acho que começou assim. Eu sempre tive também blogs diários, mas eu acho que a publicação desse livro, dessa coletânea de contos, é uma virada de chave mesmo. O livro saiu pela Patuá, que é uma editora independente, mas ele foi um livro que foi bem recebido pela crítica, pelos leitores. Então, acho que isso foi uma mudança importante.
OZ: Seu livro Sobre Pessoas Normais foi semifinalista do Prêmio Oceanos; Nem Sinal de Asas foi finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo; João Maria Matilde foi finalista também do Prêmio SP de Literatura. Como você vê o papel dos prêmios literários no projeto de um escritor que pretende uma carreira de sucesso?
MD: Eu acho que essa é sempre uma questão complexa. Os prêmios têm, de fato, um papel muito importante para qualquer escritor - e eu nem diria sobre uma carreira de sucesso, porque eu acho que esse é um conceito até meio difícil de a gente fechar - mas eu acho que o escritor quer ser lido, claro, se não a gente estaria ali escrevendo os nossos livros em pastas fechadas dentro do computador e não se preocuparia em publicar. Então é claro que sim, eu quero ser lida, eu quero que o maior número de leitores possam encontrar as minhas obras e eu acho que, nesse sentido, os prêmios são muito importantes,
porque eles ajudam os livros a chegarem mais longe. Estar numa lista de finalista de prêmio é sempre um motivo de comemoração. Você chega em espaços que talvez você não ocuparia se não tivesse essa chancela. Mas eu sempre digo também que as listas de finalistas e os prêmios são um recorte. O Brasil está num momento de uma produção muito boa, muito rica e não dá pra ter todo mundo, assim. Então, às vezes, a gente tem obras maravilhosas de fora das listas dos prêmios e isso não diz menos da obra, né? Eu acho que é importante a gente entender isso também. Mas claro, é sempre muito bacana ver o seu nome ali, num ofício que a gente lida com muita insegurança, com um mercado que muitas vezes é muito difícil de se estar, de conquistar espaço, ter um nome em uma lista de prêmios como Oceanos ou Prêmio São Paulo, Jabuti, é um impulso a mais, sem dúvida.
OZ: Como foi o processo de transição dos textos mais curtos para os romances? Você passou pela poesia?
MD: Eu não falaria em um processo de transição de textos mais curtos para romances, assim... porque, na verdade, eu ainda pretendo. Eu gosto muito de escrever contos e narrativas curtas e com certeza eu vou voltar a escrevê-los. E assim, eu acho que os meus últimos livros foram romances porque era o que a história pedia. Mas eu tenho vários planos de voltar a escrever narrativa curta, sabe? Eu venho da publicidade e na publicidade é tudo muito regradinho, né? Eu era redatora publicitária e aí a gente tem que conseguir transmitir a mensagem com o mínimo de palavras possível. Então eu acho que eu sempre vim desse lugar. Tem aquela conversa de pode ter no máximo 13 palavras, um spot de rádio você tem 30 segundos... então eu acho que eu fui muito treinada a ser mais sucinta, mais objetiva e isso, claro, combina muito com os contos. Mas não necessariamente só, assim, eu acho que até os meus romances, apesar de serem narrativas de fôlego, as frases são mais curtas, enfim, eu acho que tem um pouco ainda dessa herança da publicidade.
OZ: O que você considera que mudou em sua linguagem e sua escrita em geral de seu primeiro romance para o mais recente?
MD: Bom, eu acho que entre o primeiro romance para o mais recente, há um amadurecimento, né? Talvez uma confiança maior para trabalhar a linguagem, talvez ali uma experimentação maior... Eu acho que o "Vento Vazio" (Companhia das Letras; 2024) é um livro, em alguma medida, um pouco mais experimental. Porque tem ali quatro narradores não confiáveis. Eles têm, às vezes, discursos fragmentados, contraditórios, enfim... Eu acho que tudo isso é resultado de uma confiança maior no meu trabalho. Mas eu vejo também uma continuidade, sabe? Eu venho investigando temas que são do meu interesse: a solidão humana, as relações humanas, principalmente a loucura e outros estados de fragilidade mental. São coisas que eu comecei mesmo antes do romance. Eu acho que já no livro de contos e que cada vez eu trabalho mais. Eu acho que é um processo contínuo de trabalhar com esses temas, mas claro, com cada vez mais confiança e me propondo a experimentar um pouco mais. O "Vento Vazio" tem uma coisa que é trazer a loucura na sua forma mais solta, sem diagnóstico, sem, enfim, tá ali muito bem estruturado. Os narradores, eles são tidos como loucos, eles são vistos como loucos e eles podem externalizar essa loucura de uma forma muito livre - o que me deu uma liberdade muito grande, tanto na linguagem, quanto na forma e mesmo na estrutura da trama.
OZ: A Quina da Capivara e as personagens de Vento Vazio são fictícias, mas a usina do Morro do Camelinho é real e é utilizada como pano de fundo da narrativa. Como foi esse processo de aproximação entre ficção e realidade na construção da sua narrativa?
MD: Essa questão de misturar e combinar ficção e realidade é algo que eu gosto de fazer sempre. Eu sempre digo que eu escrevo ficção, meus livros são ficcionais, mas em alguma medida sempre tem algo de realidade ali. O "Nem sinal de asas" (Patuá; 2020) foi inspirado numa notícia de jornal. "João Maria Matilde" (Autêntica Contemporânea; 2022), eu estava vivendo em Portugal quando escrevi, então eu coloquei muito ali da minha experiência também e eu acho que agora o "Vento Vazio" parte desse lugar que é um lugar real, né? Assim, a Serra do Espinhaço, a Usina, o Paredão de Pedra, tudo tá ali e eu acho que só faltavam esses personagens - esse vilarejo, a Quina da Capivara, e esses
personagens para complementar. Então é uma combinação que funciona e que é muito rica, né? Eu via esse espaço, que é um espaço que eu já conheço, da Serra do Espinhaço, da Usina, como um lugar muito potente e muito propício para que uma literatura acontecesse ali. Então foi um processo bem natural, sabe?
OZ: Sabemos dos impactos ambientais e socioeconômicos das usinas eólicas no Brasil. A loucura mostrada em Vento Vazio parece ser o que alguns cientistas e pesquisadores vêm chamando de "Síndrome das Turbinas Eólicas ". Foi intencional escrever um livro-denúncia?
MD: Não foi intencional. Eu até gostei muito dessa definição! Obviamente, eu pesquisei muito sobre os impactos das usinas na natureza, no espaço, nas pessoas, mas ali, especificamente, a usina do Morro do Camelinho, é uma usina bem menor do que essas, por exemplo, que existem agora no Nordeste do Brasil. A gente vê ali usinas muito maiores, que as torres, as pás, são muito maiores, muito mais barulhentas, e acho que isso está trazendo esse impacto que você menciona. O Morro do Camelinho é um começo disso, é uma pista do que ainda viria a acontecer em outras regiões do Brasil. É claro, a usina contribui muito para a loucura das personagens, mas não só. O vento é um personagem importante e traz essa questão, essa lenda, vamos dizer assim, do vento que enlouquece, que é muito importante. Mas óbvio que o livro também propõe essa reflexão sobre essa promessa de progresso, sobre esses lugares que são supostamente lugares mais pobres, ou lugares vistos pelos outros como atrasados e que não necessariamente são, e aí as pessoas chegam com essa ideia de que vão salvar o lugar, de que vão movimentar o lugar, e o que é o impacto disso, né? Que muitas vezes é terrível!
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