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Foto do escritorSilvio Carneiro

A vida e seu porém | Filipe Rocha

Café com Letras

A cidade passava com pingos escorrendo pela janela do trem, e longe se via a ponta da torre em um horizonte um pouco cinza. Ele respirou fundo, e abriu os seus olhos, junto com a parada imediata do comboio. Meditar o deixava tranquilo.  – “Não é todo dia que se visita Paris” pensou. – “A cidade toda é impossível em um dia”. Pelo menos “o cansaço valeu a pena depois da ida ao Louvre”. Meditar fazia que ele diminuísse sua ansiedade enquanto tentava ser uma pessoa mais grata. Tinha perdido seu pai há três anos e o divórcio veio um ano depois. Imaginava que se pensasse assim, teria certa liberdade psicológica. Os pingos de chuva batiam no teto metálico ecoando um som abafado dentro da estação Gare de Lyon. Adiante, depois do desembarque, ele sente um cheiro familiar de café, avista a mesa com seu número da sorte. Senta-se justo aí. A atendente pergunta o pedido e ele diz, – “2 croissants e um cappuccino”.

Ele andava muito reflexivo sobre a vida, sentindo que atravessava um vale. Parou um pouco. Pegou o seu livro de poesia com um marca-texto na mochila. Esticou as pernas e se inclinou na cadeira colocando os óculos para ler, foi que percebeu que, seus óculos precisavam trocar as lentes com certa emergência.

***

            O intercâmbio em Paris fazia ela bem orgulhosa de si, enquanto uns outros mil projetos passavam em sua mente. A colecionadora de canecas se controlava tentando não comprar muitas. Mas naquela manhã passando na frente de uma loja, acabou levando duas, sentiu felicidade e uma dose de meia culpa. Só que ela estava em Paris, e as lindas canecas estavam em promoção, assim barganhava consigo. Das canecas, uma era preta com o lado interno amarelo, e a outra, que foi a que mais gostou, vinha com a bandeira da França em todo seu entorno. Tomar um café nela ia acabar de vez com aquele sentimento, foi o que pensou.

            Não muito depois do desembarque, olhou na mochila e só viu a caneca preta.

***

Ela primeiro colocou as coisas na mesa e foi até o balcão. Quando ele a viu o coração inesperadamente disparou, e ele quase tomba. O polo temperamental oposto dela chamou a atenção dele, o livro branco que ela carregava também. Ele mal conseguiu ver a capa e de longe deduziu que estava escrito, Neruda, e que tinha três pessoas de mãos dadas. Ele pousou o olhar nela disfarçadamente, pensando primeiro no evidente: o semblante dela esboçava uma certa preocupação que culminava numa aparente aflição. Sentada na mesa 4, tangente.

Passa um minuto, o selo dos olhos se cruza. Oh, oh..., aquele momento: “Será que elE/A está olhando para mim?” Não passa muito, aí, o pedido dela chega, - “1 cappuccino duplo e 2 croissants” - diz a atendente. (Tanto em comum, ele pensou). A serenidade daquele dia fez ele perceber cada detalhe nela. Mas a verdade mesmo, é que o destino ajudou o compasso desse encontro. E ela só o percebeu a existência pois estava no seu modo “atenção redobrada”. (Diminui a intensidade da chuva) Quando o sinal de embarque tocou, ela olhou o relógio para verificar se tinha tempo até o próximo embarque. Eles leem seus livros. Ela concentrada em fim, querendo esquecer tudo e todos afinal. Por outro lado, ele não parava de fingir que estava lendo. Passam 20 minutos.

Por fim, ela precisa ir. Depois que ela se levantou, na mente dele, só restou sair também. Eles passam um pelo outro, e em 2 segundos de costas. Oh. Paira a imagem congelada dos rostos na própria mente. Eles saem rindo e pensando alto, ela segue o caminho da direita e ele da esquerda. Caminham 2 metros, unos, param. Os dois viram as costas e olham para trás. O selo se cruza novamente. Reconhecem que seguiam o caminho oposto ao que lhes convinha as direções, conforme as passagens. Dão meia volta, meio envergonhados. Oh, oh, novos e humanos, a paixão aflorada. Os olhos, a caminho da metade. Nesses dois metros de volta, ele pensou “Coragem com certeza não me falta”. Um metro. Um novo pensamento. “Meu Deus, ela com certeza não fala a minha língua”

Chama a atenção dela, a capa do livro dele. O rosto de uma mulher pela metade, e a lupa de olhos vibrantes, com fundo de cores alternadas, tipo arco-íris, brancas, grises e lilás. Ela pensou em comentar o livro. Um livro é um imã para os leitores ávidos. Ambos eram. O lindo entardecer do céu se divide em tons celestes, e os raios entram pelas frestas da estação. A iluminada toca a pele deles deixando com cor de maça. Oh, oh, esse é o tipo de coisa que não se espera, e o destino tem dessas. Só que ceticismo do primeiro encontro sempre foi, justamente, coisa de livro. Eles estavam ali de passagem e em particular, um pouco apaixonados. Olvidaram a realidade por um instante. Porém, em cerca de meio metro, logo a razão lhes fez pensar de novo. Convinha outras coisas e havia um tempo para encontrar os seus comboios.

Mas o tempo dos amantes é diferente.

Arriscaram a sorte, ela parou, e voltou a cafeteria. E ele mimico desde o início, parou, encenou alguma narrativa mental. Aí voltou, tentando transparecer uma naturalidade inexistente. A trilha sonora no rádio tratava de transparecer a situação. Tocava La Vie en Rose, um hino ao amor. Não estavam loucos, não completamente. Sentaram um de frente para o outro e era claro, as írises as vezes se fitavam. O sorriso era tão solto, tão livre. Um casal de velhinhos passou e riu da situação. Ele pegou um papel e uma caneta que sempre tinha. Olhava para ela como um tanto encantado. Se levantou e foi até a mesa. E o tempo? - Congelou – Não obstante, a vida tem dessas, e é necessário respeitar os próprios caminhos.

-O sino bate. Ela olha o relógio... - “Heitor”, ele diz. - “I liked your book”, falando com um sotaque pesado. Ela não reconhece muito bem qual seria a nacionalidade, e num inglês britânico quase perfeito, responde - “Helena. Thanks. I liked the cover of your book, too.

- “Seriously? Hum, take it... it's... a gift for you” ele diz, e entrega o livro. ”, na capa, Clarice Lispector.  

- “Oh, thank you” ela diz, muito surpresa, com a poma das bochechas avermelhadas, - “Sorry, but I don't have it for you”... - “Do from Brasil !?”, indaga. Ele -“Simmm”, diz muito sorridente. “Nossa, quem imaginaria”. O sino bate, e ela sente que precisa ir mesmo. Perder o trem significava atrasar um coisa, que atrasaria outra, e mais outra. Ela anota o e-mail em um papel e entrega para ele.

Assim, com um toque de mágica, como aquele amor. Voltam aos seus caminhos. Ele a acompanha, abre a porta e saem, dessa vez fronte ao outro eles param. Se dão as mãos e se vão. Sem olhar para trás. Sem rancor. Sem embargo, eles compreenderam esses limites. Tanto, tanto, tanto, que sabiam que lhes restava os votos das expectativas. Triste, contudo, necessário.

***

Avistando a paisagem dentro do trem, ela enxerga o horizonte e lembra do livro.  Abre na primeira página e encontra um papel escrito:

“Tão perto, mas tão longe...

Corado assim, éramos tão claros, porém distantes.

Desconhecidos dos tempos, amantes do presente.

Na medida do possível, enclausurados pelas circunstâncias.

Tão perto, mas tão longe...”

- Vivências, Heitor Castro. Language: portuguese

 

***

Admirando um pai e um filho brincando, ele sorri pela janela. Engraçado como a vida é: perto corria, mas longe, tudo era tão devagar. Quando olha para o lado, vê uma caneca francesa linda. Primeiro esperou o dono que não apareceu. Depois pensou que talvez aquele fosse o seu dia de sorte mais sorte dos últimos. Talvez fosse.    

***

Oh, a vida...

Bom. Quiçá o futuro indenize o esboço realengo, apesar disso.

Porém a alma guarda o que a mente muitas vezes quer esquecer. Mas eles não querem, e a vida tem dessas. Momentos.

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