Angústia, de Graciliano Ramos e Em busca de sentido, de Viktor Frankl
Por Yagho Bentes
Em Angústia (Via Leitura; 1936-2024), Graciliano nos apresenta o monólogo interior de Luís da Silva, e narra uma vida triste, de poucos amigos, de fracasso profissional e amoroso, e aperto econômico.
Ainda criança Luís da Silva perde a mãe e, quando seu pai também morre anos depois, Luís perde toda a herança para credores. Muda-se para Maceió onde consegue emprego num jornal ligado ao governo Vargas e mora numa espécie de cortiço, humilde, de onde se pode ouvir todas as conversas dos vizinhos. Se apaixona por Marina, sua vizinha, a quem pede em noivado, mas a menina é jovem e fútil, e acaba gastando todo o pouco dinheiro de Luís com bobagens. Na moça que poderia ser uma fonte de alegria para Luís, ele acaba encontrando o caminho para o fundo de seu poço: Marina começa a se engraçar com Julião Tavares, um rival do trabalho por quem Luís já não nutria bons sentimentos. Depois que Tavares engravida e abandona a menina, Luís se arroga o direito de fazer vingança e justiça, e mata Julião Tavares enforcado.
Nós vemos a vida de um rapaz que cedo conheceu o sofrimento com a perda da mãe, que passou por diversas provações e sucumbiu completamente ao perder a noiva para um homem que invejava em algum grau. Eis a grande questão, Luís não teve força interior diante dos sofrimentos que lhe causavam angústia. Talvez, se Luís da Silva recebesse os ensinamentos de Viktor Frankl, pudesse suportar sua angústia com a cabeça erguida. Na comparação entre ambos os livros, podemos supor que a sucumbência de Luís foi causada por ele não ter encontrado um sentido para o seu sofrimento.
Viktor Frankl esteve preso em Auschwitz, onde a opressão externa foi elevada a níveis extremos e desumanos, mesmo assim não sucumbiu, pois, havia encontrado um sentido maior para a sua vida e seu sofrimento. A vida humana é sofrimento, é opressão externa em maior ou menor grau. Frankl diz que nesses momentos de opressão a dor maior é a psicológica, causada pelo sentimento de injustiça. Luís achava-se mais merecedor do que Julião, era invejoso e se sentiu injustiçado ao ter sua noiva roubada.
Em situações como a do campo de concentração, ensina Frankl, se o indivíduo não estiver ancorado a um forte sentido de vida, sucumbe rapidamente. O mesmo pode acontecer ao ser humano em condições normais, porém, de forma mais lenta, já que o simples ato de viver já representa uma opressão que logo ou mais levará o indivíduo à sucumbência se não achar um forte sentido para sua vida. É como o ditado que diz que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Num campo de concentração, a água é substituída por uma furadeira e, em ambos os casos, tanto em condições normais quanto num campo de concentração, o furo na alma humana pode ser combatido pelo sentido da vida.
Luís também poderia seguir o que Edith Stein, que morreu em Auschwitz, ensina em A Ciência da Cruz (Edições Loyola; 1988), e usando seu sofrimento para uma união mais profunda com Deus, o que lhe daria esse sentido faltante em sua vida, mas não me parece que fosse Luís um cristão.
Luís não tinha imaginação suficiente para fugir para dentro de si. Ele era recluso, mas em suas reflexões levava sua mente para o mundo externo, remoendo seu sofrimento. Se fosse para pensar em seus problemas, poderia ter se levado menos a sério e tratado suas perdas com bom humor, forma que os prisioneiros nos campos de concentração descobriram para colocarem-se a alguma distancia da situação em que se encontravam e de onde poderiam olhá-la de cima.
O ponto é que em alguma medida o ambiente sempre nos empurra, mas não somos pré-determinados e podemos escolher como agir diante do abismo.
Diz Viktor Frankl: “Somente sucumbe às influências do ambiente no campo, em sua evolução de caráter, aquele que entregou os pontos espiritual e humanamente. Mas somente entregava os pontos aquele que não tinha mais em que se segurar interiormente.”
A vida de Luís sempre o seduziu a entregar os pontos e a abandonar a si mesmo. E ele aceita essa sedução. Mas Frankl nos lembra que “é essa situação exterior extremamente difícil que dá à pessoa a oportunidade de crescer interiormente para além de si mesma.”
Frankl então cita Espinoza: “A emoção que é sofrimento deixa de ser sofrimento no momento em que formamos dela uma ideia clara e nítida.”
Luís jamais deveria ter se colocado na posição em que tem que esperar algo da vida, mas pelo contrário, ter se perguntado o que a vida esperava dele. É na maneira como ele suporta seu sofrimento que está a possibilidade de uma realização única.
E então chegamos num trecho em que Frankl parece ter escrito diretamente para Luís: “ninguém tem direito de praticar injustiça, nem mesmo aquele que sofreu injustiça.”
Não há nada que justificasse o assassinato de Julião Tavares que não seja os sentimentos de um homem fraco, que incapaz de encarar a vida de frente, achou um motivo qualquer para injustamente se colocar acima do homem que invejava e odiava.
Luís da Silva carecia de sentido em sua vida e um motivo pelo qual valesse a pena viver. Invés de ir em busca disso, como foi Viktor Frankl nos campos de concentração, preferiu colocar-se em situação de injustiçado, corrompendo sua alma e se entregando ao sofrimento, à angústia, e à injustiça.