A entrevista*
Depois de entrevistar o escritor que agora lhes apresento parti para a redação desta introdução. Confesso, não foi um trabalho fácil, utilizei todo meu profissionalismo, o que não chega a ser grande coisa, e procurei realizar um bom trabalho. O editor entrou em contato comigo e perguntou se eu entrevistaria um escritor. Respondi afirmativamente mesmo sem saber o nome do dito cujo. Quando ele mencionou de quem se tratava já era tarde, tinha dado minha palavra e gaúcho que se preza mantem a palavra empenhada. Desconfio que não foi minha capacidade jornalística que o levou a me contratar e sim a coincidência sonora de nossos nomes. Você, compreensivo leitor, logo terá a seu alcance a entrevista que realizei com Luíz Horácio. Fui muito bem recebido em sua residência, aquelas gentilezas todas, mas minha impressão a seu respeito não mudou. Também não vem ao caso revelar o que sinto por ele. Foi nosso segundo encontro, o primeiro está em meu livro Thelma. Nossos nomes se diferenciam por uma letra apenas, o dele com Z, o meu com S. Nossas divergências ficaram fora da entrevista e você pode imaginar o quanto isso me custou. Talvez nos encontremos novamente e o que acontecer ficará entre nós. Com sua licença, a seguir a entrevista que realizei com o escritor, psicanalista, fotógrafo Luíz Horácio.
Luís (O Zezeu): Nos conhecemos quando do lançamento de seu livro Doralina - Uma tardia declaração de amor (Inverso; 2014), fui levado pela curiosidade, afinal de contas nosso nome não é tão comum assim. Foi nosso primeiro e único encontro. Sabe que tive vontade de procurá-lo? Passou. Você teve alguma curiosidade a meu respeito?
Luíz Horácio: Quando você telefonou disse que a entrevista seria sobre meus livros, mas sua primeira pergunta não tem muito a ver com o tema anunciado. Você quer saber se tive curiosidade a seu respeito? Não. Por que teria? Pela coincidência dos nomes? Minha curiosidade não é tão prosaica.
Luís (O Zezeu): Desculpe, esqueci a pauta.
L.H.: Também não é caso para tanto, esqueça o pedido de desculpas.
Luís (O Zezeu): Quantos livros você escreveu até o momento?
L.H.: Precisamos fazer a distinção entre escritos e publicados. Escritos, dezesseis. Publicados, sete.
Luís (O Zezeu): Não precisa citá-los, depois você envia fotos e pedirei que acrescentem ao final da entrevista. Naquela noite em que nos encontramos você fez uma pequena palestra onde mencionou a autoficção, disse que seus livros seguem essa trilha, um passo em direção à realidade outro rumo à ficção. É isso? Em caso de resposta positiva, uma segunda pergunta: isso não é um artifício para não se comprometer, afinal de contas, um pouco disso um pouco daquilo, resumo: nem uma coisa nem outra.
L.H.: Espero que na edição você, ou o editor, mantenham o que direi. Percebe-se o seu despreparo literário, com certeza você engrossa a fileira dos leitores que lê se perguntando o que é real, o que é invenção do autor. De qualquer maneira sugiro o básico em seu caso. Considere sempre ficção, afinal de contas este é o objeto da literatura. Antes que você, mais uma vez apele para o básico, adianto que biografia também é ficção. As elogiosas e as nem tanto. Mas é isso, meu gênero preferido para trabalhar é a autoficção. Você mencionou o livro Doralina, aquele que tem minha mãe como personagem principal, muita realidade e a mesma dose de imaginação. Isso mesmo, estão lá impressões sobre ela, sobre o contexto que podem ser consideradas ficção, além de acontecimentos radicalmente ficcionais.
Luís (O Zezeu): Mas em seu livro mais recente, Cicatrizes do abandono (Inverso; 2021), você é exageradamente realista. Fotos de moradores de rua e textos sobre essa realidade. Você disse que se é livro é ficção, e agora, mais uma contradição em sua lista?
L.H.: Apressado e desavisado. Realismo nas fotos, com certeza você se deixou afetar pelas imagens, não se culpe, vem daí o sucesso do Tik-Tok, Instagram, aplicativos de encontros... as imagens e seus efeitos. Você está correto, as fotografias atestam uma realidade, mas e os textos, não mereceram sua atenção? Neles se misturam realidade e ficção. Já reparou que em nossas vidas, em nosso dia a dia, isso também acontece?
Luís (O Zezeu): Não entendi
L.H.: Não me surpreende. Você deve ser daquelas pessoas incapazes de imaginar, de criar, antes da criação vem a ficção.
Luís (O Zezeu): Está querendo dizer que a ficção pode se transformar em realidade?
L.H.: Não vou afirmar que tenha acontecido com você pois não acredito que seja capaz, mas sem dúvida você conhece alguém que se encantou por outrem, na sequência passaram a se encontrar e acabou em casamento, morar junto, algo dessa ordem. É isso, a ficção, o imaginário se transformou em realidade. Um livro que li incontáveis vezes, Voyage au bout de la nuit, autor: Louis-Ferdinand Cèline, a versão francesa traz uma epígrafe, se você não lê, não fala francês, peça ao seu editor para traduzir. Está lá: "Voyager, c’est bien utile, ça fait travailler l`imagination. Tout le reste n`est que déceptions et fatigues. Notre Voyage à nous est entièrement imaginaire. Voilà sa force. Il va de l avie à la mort. Hommes, bêtes, villes et choses, tout est imagine". Imaginar, caro jornalista, é uma obrigação dos seres inteligentes.
Luís (O Zezeu): Ser desse jeito, irônico, não cansa?
L.H.: A ironia é criação do outro, não lhe parece?
Luís(Zezeu): Pelo que fiquei sabendo, você terá um espaço em O Zezeu onde escreverá sobre Literatura, exclusivamente Literatura?
L.H.: O que é exclusivo? Exclusivamente Literatura é um absurdo, ela precisa estar conectada com a vida, com as expectativas, com a imaginação, vamos reformular; espaço voltado às artes, à vontade de ser e fazer, a partir da Literatura. Melhorou?
Luís (O Zezeu): Vamos deixar isso com o editor. Você citou Cèline, deduzo que aprecie sua obra, pode citar outros que você admire, o tenha marcado, influenciado?
L.H.: Cèline, Albert Camus, Claude Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Carl G. Jung, François Rabelais, Simone de Beauvoir, E. M. Cioran, Erico Veríssimo, Guimarães Rosa, Fausto Wolff, Ricardo Guiraldes, Annie Ernaux...
Luís (O Zezeu): Estranho, muito estranho, você é negro e na sua lista não tem nem mesmo pardo, esqueceu sua gente ou entende que negro não produz boa literatura?
L.H.: Despreparado, ou melhor, convencionalmente despreparado. Estamos falando de Literatura, artes, vida, ou o tema é raça, cor, preconceito, corporativismo e minha limitada inteligência não me permitiu perceber? Atenção a cor dos escritores citados cabe a você, minha preocupação diz respeito às obras.
Luís (O Zezeu): Esta entrevista, se aprovada, será publicada na edição onde você fará sua estreia, já sabe o assunto que abordará?
L.H.: Ainda não decidi, talvez escreva uma crônica a partir de uma frase de Voltaire; “il faut peser les esprits, non les hommes”, também a partir da mesma frase escrever algo sobre C. G. Jung, ideias não faltam, mas ainda não decidi.
Luís (O Zezeu): Seu livro mais recente reúne fotos e textos, tudo de sua autoria; acrescente a isso sua porção psicanalista e estudante de psicologia, afinal de contas L.H., qual é a sua?
L.H.: Vamos, mais uma vez reformular, L.H. quais são as suas? Não lhe parece mais adequado? Minhas intenções estão sempre relacionadas com o outro, de preferência com o bem-estar do outro, com os mais necessitados, os miseráveis se é que facilita sua compreensão.
Luís (O Zezeu): Uma das palavras mais utilizadas nos últimos tempos é polarização, na política só se fala nisso. Você acredita que um povo nessas condições consiga dar atenção à Literatura e outras expressões artísticas? Já que falei em polos, você se situa em algum deles ou posso chamá-lo de um acomodado de centro?
L.H.: Você percebeu que suas provocações não alcançaram seu objetivo. A primeira resposta é que sem as artes seríamos bem piores e muito mais pobres. Meu posicionamento político? "Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás". Espero que tenha entendido.
* Infelizmente, após esta entrevista, tivemos que demitir o repórter Luís Horácio em virtude de seu amadorismo perante nosso convidado. Desde já a equipe do Zezeu pede desculpas e dá as boas-vindas ao escritor e novo colunista Luíz Horácio. (O editor)